Malassadas vs Filhós
Portugal é um país pequeno, mas a língua portuguesa é muito rica, variando muito do sul para o norte e principalmente nas ilhas. O dicionário gastronómico, então, é vastíssimo. Só em termos de padaria e pastelaria já conheci três ou quatro nomes diferentes para o mesmo tipo de pão ou doce. Os paposecos do Algarve e Alentejo são as carcaças de Lisboa, os bijous em Chaves e as bolinhas em Arouca. As «malassadas» açoreanas são as filhós/filhoses algarvias ou farturas no resto do país.
A primeira vez que ouvi falar em «malassadas» fiquei sem saber o que era. Depois provei e percebi que são muito parecidas às nossas «filhoses» ou «filhós» algarvias. Comem-se por altura do Carnaval e na minha que é terra dele (Loulé) vendem-se em roulotes por toda a cidade nessa altura. Em Chaves, por exemplo, também se encontram à venda na rua na Feira dos Santos, em Novembro.
As malassadas de São Miguel começam a ser feitas por altura do Natal e passagem de ano e vão até ao Carnaval. Já provei várias caseiras, umas com mais sabor a limão, outras menos. Mas, acabadas de fazer, ainda quentinhas são as melhores!
O nome «malassadas» é antiquíssimo e provavelmente já corrompido. Vem da expressão «mal assadas» ou de «melaçadas». Antigamente, a doçaria popular era confecionada com melaço, embora os árabes que estiveram na Península Ibérica já tivessem açúcar. Praticamente toda a doçaria açoreana é rica, uma exceção a essas tais malassadas populares, que se fazem também na Madeira e que foram levadas pelos emigrantes açorianos para o nordeste americano e até para o Hawai.
Mas, mais do que me adoçar a boca, as malassadas ou filhós fazem-me viajar no tempo e recordar os Natais na casa dos meus avós maternos. Todos os anos, no dia 25 de Dezembro, era sagrado juntar-se a família toda em casa dos pais da minha mãe, um pequeno sítio chamado «Monte Ruivo», pertencente a Alte, aldeia do interior algarvio, concelho de Loulé.
Tenho três tios e quatro primos e aquela manhã de Natal tinha cheiros e sabores especiais que jamais esquecerei. Quando éramos crianças, era uma euforia mostrar os presentes ganhos na noite anterior e sermos recebidos com abraços e beijinhos carinhosos por todos.
Com o almoço ainda ao lume, todos ajudávamos a pôr a mesa, enquanto íamos petiscando as tais filhós. Recordo-me tão bem de me sentar no colinho da minha doce e querida avó Maria, até já ser grandinha. Tenho na memória, também, a imagem de vê-la a pentear os seus lindos e longos cabelos brancos.
A minha avó era uma ótima cozinheira, mas os doces eram a minha perdição. Era especialista em filhoses, sonhos e pastéis de batata doce. Por altura da matança do porco (que eu detestava e fugia para longe na hora que o coitado do animal começava a grunhir), a casa enchia-se de uma mistura de cheiros, entre chouriços, torresmos e sangue cozido com alho e coentros. Cheiros e sabores que jamais irei esquecer!
A receita tradicional das filhós de canudo do Algarve, tem este nome em homenagem aos tempos em que eram estendidas com um canudo para apresentarem esta forma tão original e caracteristica desta zona. São servidas normalmente regadas de mel. Os ingredientes são os seguintes: 500g farinha, 100g manteiga, 1 ovo, sumo de uma laranja, meia colher de chá de erva-doce, sal, água morna e óleo vegetal.
A receita das malasssadas de São Miguel leva os seguintes ingredientes:
- 2 kg de farinha,
- 6 colheres de sopa de açúcar,
- 12 ovos,
- 125 g de manteiga,
- 125 g de banha,
- 2,5 dl de leite,
- 2,5 dl de água,
- 40 g de fermento de padeiro diluído,
- 1 cálice de aguardente (opcional)
Receita:
Bater tudo muito bem até a massa estar fina e deixar levedar, embrulhada num pano. Cortar ao tamanho de um bife e deixar o centro mais fino que os bordos. Fritar em óleo bem quente. Servir frias, polvilhadas com açúcar.