Futebol de salto alto
Para quem não sabe, sou casada com um jogador de futebol profissional. Não é que tenha programado isso, e não deixo de ter orgulho na sua profissão, mas esta «vida de cigano» já me trouxe sabores e dissabores. O Clemente entrou na minha vida numa fase negra e foi como um anjo caído do céu que me veio trazer de volta o meu sorriso. Veio dar alegria aos meus dias com a sua boa disposição que todos os que o conhecem estão habituados e foi a lufada de ar fresco que eu precisava. Mas, não estou aqui para vos contar a minha história de amor.
Vou falar-vos de como a vida de uma mulher de «jogador da bola» não é um mar de rosas. Temos de abdicar de muita coisa e somos facilmente rotuladas de «Marias Chuteiras» ou «Dondocas». No meu caso, deixei para trás um emprego de jornalista no Algarve, porque não acredito no amor à distância, e até hoje não me arrependo de nada do que fiz.
Está certo que abdiquei de uma carreira que tanto trabalho me deu a conquistar e, com o peso na consciência de todo o esforço que os meus pais fizeram para que tivesse uma licenciatura (tantas pestanas que queimei a estudar naquele ISCSP em Lisboa), mas sei que ficou só em stand by e um dia todo o esforço será recompensado.
A experiência de andar «atrás dele com a casa às costas» por vários sítios do país só me trouxe coisas boas, vivências novas que jamais teria passado caso tivesse ficado na minha terra. Muitos e muitos amigos que fiz, e que ficaram para a vida, e os cantos e recantos de Portugal que conheci (já parei para pensar que que já passei por todas as auto-estradas do nosso país e de repente apercebi-me que tudo fica perto quando fazemos uma viagem de Chaves ao Algarve em cinco horas de carro ou uma viagem do Porto a Faro em 40 minutos de avião).
Por outro lado, troquei o jornalismo por um trabalho a tempo inteiro, com funções como dona-de-casa, mãe, psicóloga, nutricionista, organizadora de eventos, relações públicas , etc. Tudo gerido com muito cuidado porque a vida de jogador tem muitas regras e protocolos.
Para desmistificar a vida fácil de mulher de futebolista deixo-vos só aqui alguns exemplos que sofri na pele. Em primeiro lugar, quando assistimos pela primeira vez a um jogo, em que o teu marido está em campo, tudo fica mais tenso.
Uma coisa é ir ver um jogo do «meu» Sporting em que estamos só ali a torcer para que ganhe, não interessando quem lá joga. Outra coisa é estares entre os adeptos e teres que ouvir comentários ofensivos sobre a pessoa que amas. Mas, graças a Deus, sou uma pessoa calma e ponderada e, desde logo, optei por uma postura de «entra por um ouvido e sai por outro», porque afinal de contas o verdadeiro adepto só quer que a equipa ganhe e só faz o seu papel. Um jogador passa facilmente de «bestial a besta», mas, felizmente, também já ouvi muitos elogios e assisti a verdadeiras declarações de reconhecimento e agradecimento.
Outros aspectos negativos desta vida tem a ver com o não conseguir planear nada. A nossa agenda passa a ser o calendário das competições e o nosso ano passa a ser conforme a «época desportiva». E, claro, sempre que planeamos alguma coisa importante, tudo dá para o torto. Até a data do meu casamento teve que ser reformulada quando a meio da época o Clemente decidiu mudar de clube. Quando toda a cerimónia e quinta estavam marcadas para o dia 7 de Junho, de repente tudo teve que ser alterado para 28 de Junho. Para não falar na festa de 1º aniversário da Alice, que não contou com a presença do pai, e foi passada só entre esposas de jogadores e os seus filhotes.
Um momento difícil que jamais vou esquecer também foi no nascimento da minha filha, que aconteceu no Algarve, o Clemente estava a jogar no Grupo Desportivo de Chaves, treinado pelo mister Leonardo Jardim, e teve de atravessar o país, depois de um jogo de final de época, sem os médicos darem notícias de como tinha nascido a filha (uma cesariana que ia correndo mal e em que a bebé já estava em sofrimento e teve que ser reanimada).
Felizmente, tudo correu bem e, nessa mesma noite, o pai conheceu a menina dos seus olhos. Pior foi quando, no dia seguinte, ainda a Alice na incubadora e eu sem puder me levantar para ir vê-la (apenas o pai podia estar ao pé dela), o Clemente teve que regressar a Chaves para treinar, porque o seu trabalho assim o exigia, com o coração apertado e lágrimas nos olhos...
Sim, porque, o jogador de futebol não tem direito a licença de paternidade, a feriados, a natais em família ou passagens de ano com os amigos. Já para não falar que, quando morre algum familiar ou amigo, nem todos os treinadores têm a sensibilidade para dispensar o jogador a ir ao funeral ou ficar perto daqueles que amam.
Outra questão é que o coração fica acelerado quando o teu marido cai inanimado, a meio de um jogo de futebol. Mas essas histórias vou deixar para outro post...
Enfim, mas são coisas que fazem parte da vida e que, apesar de todos os aspetos negativos, agradeço todos os dias pelo marido e filhos que tenho e posso dizer que sou feliz :)!